segunda-feira, 3 de setembro de 2012

CONTO DE UMA NOITE DE VERÃO


De férias em S. Jorge e passeando à beira-mar numa noite de verão ouvem-se ao longe fortes mugidos…
Mugidos de desespero e estrondos metálicos fazem-nos percorrer um caminho que termina no porto desta ilha. Entramos por um grande portão lateral e mesmo junto deste, encontramos o que não queríamos: três contentores de transporte marítimo apinhados de bovinos, um cheio de bezerros e os outros dois de vacas.
Não cabia nem mais um! Uns fardos de palha colocados numas prateleiras superiores às quais só chegavam as vacas que por sorte (dentro daquele grande azar) tinham ficado daquele lado do contentor, não havia água para beber e muito menos espaço para deitar. Já para não falar dos seus próprios excrementos. Basicamente, as vacas são transportadas numa grande casa de banho!
É sufocante ver uma coisa assim, mas mais sufocante ainda, é ganhar consciência de que estas crueldades são feitas por humanos.
Olhavam para nós com um misto de medo e de “tirem-me daqui!”. Uma cena da 2ª Guerra Mundial e do transporte de Judeus para os campos de concentração espelhavam-se aqui e agora… só mudam os personagens de animais humanos para animais não humanos.
Voamos para o posto da GNR e a partir daqui começa a dança, a dança do poder, da insensibilidade, do julgamento, da desresponsabilização, do monopólio, do lobby…
O Guarda da GNR era simpático e não achava mal… afinal, foi sempre assim e são só animais! Acompanhou-nos até ao local e minutos depois chega o Veterinário num jipe da Secretaria Regional da Agricultura e Florestas. É muito mais interessante cometer crueldades e ilegalidades usando um carro da Secretaria Regional, pago com os impostos dos portugueses, do que utilizar o seu próprio carro! Bem como, receber um salário para assinar autorizações de transporte ilícitas, também este pago com os impostos dos portugueses. E mais, às tantas aquela deslocação em horário pós – laboral também vai ser paga com os impostos dos portugueses! O Srº Veterinário, ilustre figura da terra, já vinha a ferver, com certeza porque sabe que de acordo com o DL nº 265/ 2007 de 24 Julho, ele é um dos três responsáveis por esta situação, a qual é punível por lei. São responsáveis pelo transporte de animais as várias empresas, terrestre e marítima, os organizadores e os detentores de animais. Vai daí que a troca de palavras com este senhor começa com “Acordaram cedo hoje!”. Daqui nada resultou, apenas serviu para recordarmos algo que já sabíamos: o transporte de animais é feito desta forma em todas as ilhas há anos! Encurtamos a conversa porque desenhava-se no ar um punho em riste.
Tomados por um grande sentimento de impotência regressamos ao posto da GNR para apresentar queixa. O Guarda simpático confessa que não sabe imprimir formulários a partir do seu computador e por azar, naquela malfadada noite, não havia nem um para nós!
Aquela foi a primeira noite de inferno para aquelas vacas, ainda as esperavam mais oito em alto-mar...

Maria João Martins
PAN Açores